O Brasil está diante de um erro estratégico de grandes proporções. O Projeto de Decreto Legislativo nº 330/2022, que pretende sustar a Instrução Normativa nº 125/2021 e interromper a importação complementar de cacau, vem sendo defendido com argumentos que não resistem a uma verificação técnica mínima e ignoram completamente o impacto econômico severo que a medida pode provocar.
A verdade é simples e precisa ser dita com clareza: a derrubada da IN 125 não protege o produtor. Ao contrário, enfraquece a indústria e reduz a demanda pelo cacau brasileiro.
Do ponto de vista técnico, a controvérsia já foi encerrada. O Ministério Público Federal analisou de forma exaustiva os argumentos utilizados para sustentar o PDL 330 e concluiu que não há risco fitossanitário na importação regulada pela IN 125, não existem irregularidades na edição da norma e não há qualquer registro de praga quarentenária em mais de duas décadas de importações. Todos os procedimentos adotados são rigorosos, auditáveis e seguros.
O próprio MPF foi categórico ao afirmar que inexiste dano ambiental ou risco de dano decorrente da IN 125/2021. Em nova manifestação, em 2025, reiterou que não foram constatadas irregularidades e que nunca houve detecção de Striga spp.. Assim, qualquer alegação técnica utilizada para justificar o PDL 330 já foi oficialmente desmontada. O que resta é um debate puramente político — e profundamente perigoso para o setor.
No campo econômico, a realidade é igualmente incontestável. O Brasil é estruturalmente deficitário na produção de cacau. Dados dos últimos anos mostram que a produção nacional nunca foi suficiente para atender à demanda da indústria, que historicamente processa mais do que o país produz. A importação complementar evita níveis elevados de ociosidade industrial, que já chegaram a 38%. Sem esse suprimento, fábricas simplesmente param.
A importação não substitui o produtor nacional. Pelo contrário, ela permite que a indústria continue operando, comprando cacau brasileiro e sustentando toda a cadeia produtiva. Interromper esse fluxo é um convite direto ao desinvestimento.
Também não se sustenta a tese de que barrar a importação elevaria o preço pago ao produtor. Trata-se de uma ficção econômica. A dinâmica real é clara: menos importação resulta em menos moagem; menos moagem reduz a compra de cacau nacional; a queda na demanda leva, inevitavelmente, à redução de preços ao produtor. Não é uma hipótese teórica, mas o que os dados demonstram. A suspensão das importações provocaria retração da demanda e queda de renda, atingindo diretamente quem se diz querer proteger.
Os impactos vão além do produtor. Empregos, exportações e arrecadação estão em risco imediato. A indústria do cacau emprega milhares de trabalhadores e movimenta dezenas de municípios na Bahia, no Pará e em São Paulo. É ela que compra mais de 90% do cacau nacional, gera exportações de manteiga, liquor e pó, sustenta economias regionais inteiras, garante arrecadação tributária e ancora investimentos estratégicos.
Sem matéria-prima, nenhuma planta industrial opera. A aprovação do PDL 330 pode levar ao fechamento de fábricas, à paralisação de linhas de produção, a cortes de turnos, à migração da produção para países concorrentes e à perda de contratos internacionais. A cadeia do cacau brasileiro não tem fôlego econômico para absorver esse choque.
Há ainda um efeito igualmente grave: a insegurança jurídica. A Instrução Normativa nº 125 foi elaborada pelo órgão técnico competente do Ministério da Agricultura, é tecnicamente fundamentada, amplamente auditada e validada pelo Ministério Público Federal. Revogá-la por pressão política, sem qualquer fato novo e contra todas as evidências disponíveis, envia um recado preocupante aos investidores: o ambiente regulatório brasileiro é instável e suscetível a interferências sem base técnica. Nenhuma indústria investe sob esse tipo de risco.
O resultado final seria devastador. A aprovação do PDL 330 levaria à queda da demanda pelo cacau nacional, à redução do preço pago ao produtor, ao aumento da ociosidade industrial, à desorganização das exportações, à perda de competitividade global, à retração de investimentos e ao colapso de parte da cadeia produtiva.
Tudo isso para tentar resolver um problema que simplesmente não existe.
O PDL 330 não protege o setor. Ele compromete seu futuro. Ignora fatos, despreza dados e coloca em risco a única estrutura capaz de sustentar a cacauicultura brasileira: a indústria processadora. Não há benefício, não há ganho para o produtor e não há justificativa técnica. Há apenas perdas — econômicas, sociais e competitivas.
Se o objetivo é construir um Brasil que produza mais, exporte mais, gere renda e recupere protagonismo no mercado global do cacau, o caminho passa pela estabilidade regulatória, pelo rigor técnico e pelo fortalecimento de todos os elos da cadeia, não por medidas que desorganizam o setor. O PDL 330 não resolve nada, mas tem potencial para comprometer tudo.
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